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Os dois Santos de nome João

Por Robert Cooper

Traduzido por Rodrigo Menezes

 

Alguns de vocês perceberam que postamos recentemente um evento – o Festival de Santo André – no Facebook e já perguntaram: Por que Santo André?

Nós acreditamos que cada Grande Loja no mundo entende que São João é seu Santo Patrono. Esse não é o caso da Grande Loja da Escócia. Abaixo vou tentar explicar os motivos.

A Reforma Escocesa de 1559-60 varreu o Catolicismo Romano do Cristianismo e inaugurou a nova religião protestante, que tem uma visão diferente de como Deus deve ser adorado. Lá se foi toda forma de adoração Católica (como a Missa), imagens de santos, símbolos Católicos e outras parafernálias da Igreja. Elas foram substituídas por uma maneira muito diferente; mais simplista, plana e tudo isso ocorreu no período da escrita dos Estatutos de Schaw (1598 e 1599). William Schaw, o homem que por muitos é conhecido como o pai da Maçonaria Moderna, pois foi ele que iniciou o processo que levou a Maçonaria como a conhecemos hoje.

Muitas Lojas recebem o nome de um Santo em particular (normalmente Santos bem conhecidos do local) e frequentemente ouvimos referentes aos Santos de nome João com a Maçonaria. Alguns podem estar mais familiarizados com o símbolo do ponto no meio do círculo, suportados (pela direita e esquerda) por duas linhas paralelas (veja a imagem). Se, entretanto, a religião do país foi completamente modificada na Reforma, porque os símbolos da antiga crença ainda permanecem no Oficio Moderno por referência a vários Santos?

Por que esses dois Santos em particular, São João Batista e São João Evangelista, são normalmente referenciados pela Maçonaria nesse papel em especial? Não estamos falando da fé religiosa ou do aspecto teológico aqui (veremos isso mais a frente). Estamos falando do motivo que esses santos ainda estão conosco na Maçonaria atual.

O Manuscrito Edinburgh Register House (1696) é o mais antigo ritual Maçônico conhecido no mundo, e está escrito em Escocês – o que fica claro pela retórica, sintaxe, escrita, etc. Esse ritual e outros muito similares a ele (por exemplo o Manuscrito Airlie (1705) e o Manuscrito Chetwode Crawley (c. 1710)) são também escoceses e foram descritos e analisados em outros artigos (veja o texto Airlie MS no Volume 117 da AQC – the anual jornal of Lodge Quatour Coronati, nº 2076). A primeira menção ao São João, e devo revelar qual deles daqui a pouco, está no texto da obrigação (que é extremamente significativa), nesses primeiros rituais. Parte da obrigação pede que o candidato diga: “Eu Juro por São João, e o esquadro e o compasso…” Isso significa que 140 depois da Reforma (1559), São João ainda era usado no juramento dos Maçons durante a cerimônia e este Santo estava emparelhado com o Esquadro e o Compasso.

Antes de discutirmos qual São João Maçônico é descrito, quero voltar aos nossos Maçons anteriores a Reforma para tentar entender o que estavam fazendo e em qual lugar, se alguma prece a São João existia em suas atividades.

Na Idade Média, a maior parte dos negócios, especialmente as de força econômica, formaram Guildas (na Escócia elas eram normalmente conhecidas como Incorporações). Sem entrar em grandes detalhes, comércios como os Baxters (padeiros), Wobsters (tecelãos), etc., eram permitidos a participar de forma limitada nas atividades do município. Isso foi útil quando o assunto relacionado ao Ofício, a Maçonaria, era debatido. Por exemplo, a incorporação podia negociar horas de trabalho e salários e outras condições de emprego com o conselho da cidade. Em troca da pequena representação política, as Incorporações deviam concordar em aceitar certas responsabilidades. Por exemplo, eles tiveram que concordar em controlar seus aprendizes, e tiveram que concordar em aceitar a responsabilidade de melhorar seus ensinamentos. A pré-reforma da Igreja começou uma mudança muito grande na vida das pessoas. Os horários dos dias eram estruturados em torno do tempo dos rituais da Igreja, dos dias sagrados, etc. Era comum que grupos como comerciantes combinassem de pagar a manutenção de uma parte, ou ocasionalmente, de uma igreja inteira em particular. Pessoas ricas ocasionalmente recebiam a responsabilidade de um lugar específico da Igreja. Essas ‘partes particulares’ de uma igreja eram geralmente corredores laterais dedicados a um santo onde as orações seriam oferecidas. Quando os Maçons atingiram o status de uma Incorporação em Edimburgo, em 1475, a eles foi dada a responsabilidade de manutenção dos corredores laterais dedicado a São João Evangelista dentro da Catedral de São Giles. Isso significava que eles tinham que manter o corredor limpo e arrumado, em boa ordem, reparar qualquer dano e fazer uma doação anual de cera para velas. O custo foi considerado ao longo de um ano. Em outras palavras, os Maçons encontravam-se lá regularmente, não só para ouvir as orações sendo ditas pelas almas dos Maçons falecidos, mas também discutiam os costumes relevantes para o seu Ofício. Naturalmente, se seguiu dessa forma, porque o corredor foi dedicado a São João, o Evangelista, cujo dia da festa é o de 27 de dezembro, que se tornou a data anunciada para todos os Maçons se reunirem juntos. Na sequência, era sensato usar o período após a conclusão das cerimônias religiosas para conduzir os trabalhos relevantes ao ofício da Maçonaria – prestar contas, pagar taxas anuais, planejar o futuro, sugerir mudanças de acordos e regras de regulamentação, e o mais importante: Iniciar Aprendizes e fazer Companheiros de Ofício. O dia 27 de Dezembro se mantêm como o principal dia no calendário da Maçonaria Escocesa. É por esta razão que hoje, a Maioria das Lojas Escocesas continuam a celebrar o dia 27 de Dezembro e não o dia 24 de Junho – o dia da festa de São João Batista. Depois da reforma, muitos elementos religiosos relacionados aos Santos, incluindo os corredores dedicados a eles, foram abolidos e isso significava que os Maçons não tinham mais responsabilidades religiosas, como manter o “seu” corredor na Catedral de St. Giles. No entanto, eles ainda precisavam realizar seus encontros anuais e logicamente continuaram a realizar a Assembleia Geral Ordinária (AGM) no dia 27 de Dezembro de cada ano. Isso pode ser encontrado nos registros (incluindo os do Conselho da Cidade de Edimburgo por exemplo), onde está data está registrada como encontro regular dos Maçons antes da Reforma.

Quando William Schaw (1550-1602), o pai da Maçonaria Moderna, reorganiza as Lojas Escocesas, eles mantêm nos registros das Lojas que o dia 27 de Dezembro continuaria a ser o encontro anual. Nós agora chamamos esse encontro de “Instalações” (geralmente no dia 27 de dezembro) ou seja, quando o novo Mestre de uma Loja foi eleito e instalado na cadeira da Loja.

É claro, portanto, que São João Evangelista foi o santo padroeiro dos Maçons Escoceses, mas a questão que continua é saber por que foi ele o escolhido? Existem algumas possíveis razões religiosas e teológicas, mas estas devem ser objeto de uma discussão posterior. No entanto, para nós esse é um entendimento muito simples. Quando os pedreiros se tornaram uma Incorporação, pode ter ocorrido que uma Igreja tenha selecionado a próxima vaga disponível para ela, e bateu de ser uma dedicada a São João Evangelista! Se isso for verdade, então foi a igreja que “nos atribuir” esse santo, em vez de haver uma razão religiosa para os Maçons selecioná-lo como seu Santo Padroeiro.

O que então São João Batista e Santo André, ambas figuras da Maçonaria Moderna, não são tão proeminentes na Maçonaria Escocesa? Quando a Grande Loja foi estabelecida em Londres, já se sabia que “São João” era o “santo padroeiro”. Não havia dúvidas sobre isso, mas haviam dúvidas sobre qual deles – o Evangelista ou o Batista? Quando configuraram a nova organização, como a Grande Loja tinha que escolher entre um dia no meio do inverno, quando os dias eram escuros, curtos, frios e muitas vezes molhados, ou um dia no meio do verão, com dias mais quentes e mais tempo de horas do sol, qual dia você escolheria? Nossos irmãos Ingleses podem automaticamente assumir que ninguém seria louco o suficiente para escolher o dia 27 de dezembro, ou se eles soubessem que a Escócia usou o dia da festa de São João Evangelista, eles “fecharam os olhos” nesse fato inconveniente e escolheram São João Batista, cujo dia da festa está no auge do verão – 24 de junho de cada ano.

Quando Lojas em Edimburgo decidiram que a Escócia deveria ter sua própria Grande Loja, prestaram bastante atenção nos procedimentos usados para a formação da Grande Loja em Londres, e também adotaram o dia da festa de São João Batista. Infelizmente, aqueles que organizaram a Grande Loja da Escócia, não levaram em conta as tradições dos Maçons Escoceses, incluindo o seu patrono – João o Evangelista. O principal efeito disso é que a maioria das Lojas de Maçons na Escócia não tomaram partido da formação da nova Grande Loja, pois acreditavam que seria errado ignorar séculos de tradição e adotar um novo Santo Padroeiro que parecia ter sido escolhido “para eles” pelos Maçons Ingleses.

A nova Grande Loja da Escócia tinha um grande pepino nas mãos. Se persistisse com o dia de São João Batista como a data para seu encontro anual e instalação de novos Veneráveis Mestre, iria ofender todos os Maçons Operativos, Lojas que ela estava ansiosa para trazer sobe sua tutela. Da mesma forma, se optasse por São João Evangelista, arriscava mudar todas as regras das Lojas Especulativas que estiveram tão envolvidas na organização e apoiaram sua criação desde o início. Também seria considerado um fato fundamental que estava completamente errado. De qualquer forma sobre São João, eles iriam chatear um grupo ou outro. Em um típico movimento pragmático escocês, um acordo foi alcançado – não se adotou nem São João Evangelista ou João Batista! Ao invés disso, o Santo Patrono da Escócia – Santo André. É por isso que, embora a Maçonaria Escocesa seja conhecida como a Maçonaria de São João, a Grande Loja da Escócia não usa nenhum santo!  Em vez disso, o dia da festa de Santo André, 30 de novembro, é a data da instalação do Grão Mestre da Grande Loja da Escócia, que é seguido pelo Festival de Santo André.

Publicado originalmente na página oficial da Grande Loja da Escócia:

The Grand Lodge of Antient Free and Accepted Masons of Scotland (A Grande Loja dos Maçons Antigos Livres e Aceitos da Escócia)

Rodrigo de Oliveira Menezes

M.'.M.'. da Loja Amizade, Trabalho e Justiça nº 36, Or.'. de Umuarama, filiado ao Grande Oriente do Paraná, exaltado ao Sagrado Arco Real pela GLPR e filiado a mais 6 corpos Superiores distintos (SC33PR, MIGCMRSRFB, GCCTRFB, SCFRMB e GCKFRMB-PR).

3 comentários sobre “Os dois Santos de nome João

  • Vale um comentário aqui, o Robert Cooper já havia lançado esse mesmo texto em Dezembro de 2016 como pode ser visto no link abaixo, o texto que foi publicado essa terça-feira é uma re-publicação:

    https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1258027207616191&substory_index=0&id=180090088743247

    O Ir.’. Cloves Gregório já havia feito uma resenha sobre o artigo em seu site ano passado, com as informações mais importantes do artigo.

    http://maconaria-tupiniquim.webnode.com/news/qual-o-joao-certo-a-ser-aclamado-no-escocismo/

    Agora temos o artigo completo traduzido! Boa leitura!

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  • Olá Rodrigo muito interessante seu site.
    Saberia dizer, nessa história de patronos, onde entra São João de Jerusalém? (Maçonaria Adonhiramita)
    grato

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    • É tudo uma sequência de referências. Segundo Cooper, o patrono Escocês foi para a Inglaterra e virou o patrono Inglês (com suas devidas modificações) que também foi para a França e virou o patrono Francês de todos os seus ritos. Sobre São João de Jerusalém, uma explicação que acho bastante convincente é que o nome foi generalizado para abranger os dois santos. Veja o exemplo do Rito de York Americano, as blues lodges, lá se fala “os Santos de nome João”, tirando a referência a um santo único. Afim de diminuir o tamanho do texto, se usa essas falas: “São João da Escócia”, “São João de Jerusalém”, a ideia é colocar no mesmo nome os dois Santos onde um Santos abrange os dois Joãos.

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