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A morte lhe cai bem

Essa elucubração poderia ter surgido com alguma obra clássica da literatura ou alguma reflexão sobre uma lenda profunda maçônica.

Mas surge de um momento descontraído no fim de um expediente com um irmão, antigo mestre da ordem, ao que no fundo do bar em que estávamos, após um dia de aulas na Universidade, surge a letra da cantora Maria Rita “Encontros e Despedidas”.
Veja como um “memento mori” alternativo as clássicas lendas, afinal como sabemos, ser Maçom no templo é fácil, difícil é praticar essas reflexões nos nosso cotidiano que nos arrasta cada vez mais para a satisfação do ego. Assunto abordado brilhantemente pelo filósofo Herbert Marcuse em sua obra “Eros e Civilização”.
E a lembrança da nossa mortalidade, e a vida vista por sua dimensão efêmera deve ser um exercício constante a cada maçom. Independente do grau, pois vemos isso na Iniciação, que é uma morte para antiga vida, ate nas lições mais profundas. Essa reflexão nos puxa do vórtex cotidiano para a gritante realidade de que nós podemos simplesmente cessar de respirar a qualquer momento, nos leva a dar valor as coisas que realmente importam.
A música em questão:
A morte na música é tratada como “dois lados da mesma moeda”, o que define o inicio e o começo da vida como bem observou o irmão que me acompanhava, citado no inicio, é apenas um alento. Um primeiro e um último sopro de ar, a vida é só o intervalo. Ao passo em que, pode se ter prismas diferentes da Morte nas diversas culturas.
No budismo explica que assim como cada um de nós possui os dez estados de vida, o Universo também os tem. Então quando falecemos, nossa vida funde-se exatamente com o estado do Universo referente à condição em que nos encontrávamos no momento da morte.
Nas religiões africanas esse aspecto se liga intimamente a natureza e vida animal e vegetal.
Promessas de satisfação carnal são feitas nas religiões Nórdicas e no Islã, com suas Valquírias ou 72 virgens.
Na crença popular escocesa  existe o “Cu Sith“:  um cão enorme com o pelo verde que anuncia com seus latidos a proximidade da morte. Quem tem a desgraça de ouvir três de seus latidos é chamado inevitavelmente à morte, um cão enorme com o pelo verde que anuncia com seus latidos a proximidade da morte. Quem tem a desgraça de ouvir três de seus latidos é chamado inevitavelmente à morte.
o “Cu Sith”, cão verde das Highlands, quem ouve 3 de seus latidos esta condenado..
Na tradição norueguesa, existe a chamada “Praga Hag”,  que representa a morte como uma mulher equipada com uma pá e um ancinho que limpa a casa daqueles que vão morrer. Além disso, os espíritos das mulheres mortas no parto são os responsáveis por lavar suas roupas.

Para a tradição judaica, o anjo da morte, um ser esplêndido com doze asas e o corpo coberto por tantos olhos quanto o número de pessoas existentes no mundo, é o responsável por guiar os vivos ao mundo dos mortos. Já os bretões representavam a morte como um homem misterioso, descrito como um homem vestido totalmente de preto e equipado com um chapéu de abas largas, que vaga pelo mundo em busca de almas para levá-las em sua carruagem ao mundo dos mortos.

Na cultura mexicana, a Morte é adorada como la Santa Muerte.

A obra Kamikaze Diaries: Reflections of Japanese Student Soldiers, livro da acadêmica americana Emiko Ohnuki-Tierne, aborda a preparação para a morte dos pilotos japoneses, numa cultura que preferia o fim da vida no lugar da desonra, em alusão ao antigo ritual samurai conhecido por Seppuku. Fica aqui nossa sugestão para o congresso brasileiro.
O poder sobre a Morte é retratado em inúmeras obras de ficção, uma que merece destaque é o excelente anime “The Death Note”, com enredo onde existe um caderno editável por quem o detém, capaz de controlar os espíritos japoneses conhecidos por shinigames, os seres sobrenaturais responsáveis pela morte.
tem uma maçã ae ?
A jornalista Eliane Brum em seu artigo sobre o assunto nos lembra que na Roma antiga, quando um comandante ganhava uma batalha importante, percorria a cidade num ritual que historiadores chamam de “triunfo romano”. Era um momento de glória suprema, talvez próximo à reconstituição dos filmes feitos por Hollywood. Atrás dele, para que não esquecesse que toda ascensão contém uma queda, um escravo sussurrava no ouvido do vitorioso: “Memento mori”. Em tradução do latim: “Lembra-te de que és mortal”.
Segundo Freud (1917) ninguém crê em sua própria morte. Inconscientemente, estamos convencidos de nossa própria imortalidade. “Nosso hábito é dar ênfase à acusação fortuita da morte – acidente, doença, idade avançada; desta forma, traímos um esforço para reduzir a morte de uma necessidade para um fato fortuito.” Kastenbaum e Aisenberg (1983), a respeito do tema, dizem que as interpretações atuais sobre a morte constituem parte da herança que as gerações anteriores, as antigas culturas nos legaram. Arqueólogos e antropólogos, através de seus estudos, descobriram que o homem de Neanderthal já se preocupava com seus mortos: “Não somente o homem de Neanderthal enterra seus mortos, mas às vezes os reúne (gruta das crianças, perto de Menton).” Morin (1997)
Ainda segundo os autores da pesquisa , o ser humano lida com duas concepções em relação à morte: a primeira que  temos consciência, embora esteja relacionada ao medo do abandono; e a segunda concepção da própria morte, a consciência da finitude, na qual evitamos pensar pois, para isto, temos que encarar o desconhecido. Segundo Bromberg (1994) nossa cultura não incorpora a morte como parte da vida, mas sim como castigo ou punição.
“O homem da atualidade convive com a ideia de que uma bomba pode cair do céu a qualquer momento. Não é de se surpreender portanto que o homem, diante de tanto descontrole sobre a vida, tente se defender psiquicamente, de forma cada vez mais intensa contra a morte. “Diminuindo a cada dia sua capacidade de defesa física, atua de várias maneiras suas defesas psicológicas” Kübler-Ross (1997)
Alguns livros em particular me chamam a atenção para esse fato, poderia eu dizer da vida? Não citarei os livros sagrados, pois estou no cotidiano de cada maçom.
O livro escrito por  Dan Millman, “Peaceful Warrior“, o mestre diz a seu aprendiz a seguinte frase; “A morte em suma é uma transformação não muito mais radical que a puberdade”.
A obra prima de Dante Alighieri merece menção honrosa nesse assunto. A Divina Comédia é escrita utilizando uma técnica original conhecida como terza rima, onde as estrofes de dez sílabas, com três linhas cada, rimam da forma ABA, BCB, CDC, DED, EFE, etc. Os três livros que formam a Divina Comédia são divididos em 33 cantos cada, com aproximadamente 40 a 50 tercetos, que terminam com um verso isolado no final. O Inferno possui um canto a mais que serve de introdução a todo o poema. No total são 100 cantos. Os lugares descritos por cada livro (o inferno, o purgatório e o paraíso) são divididos em nove círculos cada, formando no total 27 (3 vezes 3 vezes 3) níveis. Os três livros rimam no último verso, pois terminam com a mesma palavra: stelle, que significa ‘estrelas’. Dante chamou a sua obra de Comédia. O adjetivo “Divina” foi acrescido pela primeira vez em uma edição de 1555. O curioso da obra de Dante é que se tratar de uma obra que inicia com o tema da crise existencial pertinente a todo ser vivente sobre a morte, mas ela não é o fim e sim o começo de uma jornada.
Barqueiro Caronte
Quando Dante se encontra no meio da vida, ele se vê perdido em uma floresta escura, e sua vida havia deixado de seguir o caminho certo. Ao tentar escapar da selva, ele encontra uma montanha que pode ser a sua salvação, mas é logo impedido de subir por três feras: um leopardo, um leão e uma loba. (Espaço aqui para interpretações sobre o simbolismo desse trecho) Prestes a desistir e voltar para a selva, Dante é surpreendido pelo espírito de Virgílio – poeta da antiguidade que ele admira e se torna seu Mestre, disposto a guiá-lo por um caminho alternativo. Virgílio foi chamado por Beatriz, paixão da infância de Dante, que o viu em apuros e decidiu ajudá-lo.
Ela desceu do céu e foi buscar Virgílio no Limbo (eliminado por nosso recente papa).
O caminho proposto por Virgílio consiste em fazer uma viagem pelo centro da terra. Iniciando nos portais do inferno, atravessariam o mundo subterrâneo até chegar aos pés do monte do purgatório. Dali, Virgílio guiaria Dante até as portas do céu. Dante então decide seguir Virgílio que o guia e protege por toda a longa jornada através dos nove círculos (3×3) do inferno, mostrando-lhe onde são expurgados os diferentes pecados, o sofrimento dos condenados, os rios infernais, suas cidades, monstros e demônios, até chegar ao centro da terra, onde vive Lúcifer (outro simbolismo para interpretações dos leitores). Passando por Lúcifer, conseguem escapar do inferno por um caminho subterrâneo que leva ao outro lado da terra, e assim voltar a ver o céu e as estrelas.
A principal lição para mim dessa obra é sobre a vida em si, e nossas posições:

“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que  escolheram a neutralidade em tempo de crise”

No filme, “Além  da vida ” com o ator Liam Neeson, o personagem Eliot Deacon, dono de uma funerária, se comunica com as pessoas que é responsável de preparar o funeral. Nessa transição entre a vida e a morte e que somente ele pode falar com os recém partidos da vida. Em uma cena intrigante, nosso personagem é questionado do porque morremos. Ele responde com uma simplicidade brilhante, “..- Para que a vida tenha importância..”
De volta ao texto de Brum e sua reflexão sobre um quadro, “As meninas”, a obra-prima de Diego Velázquez (1599-1660). As meninas estão para o Prado como a Mona Lisa para o Louvre. Quando estive diante da Mona Lisa, me faltou conhecimento – ou coração – para compreender por que aquela era a mais famosa pintura do mundo. Preferi outras, mais obscuras. Diante das meninas de Velázquez, porém, tive uma epifania. Para quem não conhece a obra, vale a pena buscá-la na internet.
 A cena mostra a infante Margarita, da Áustria, com suas damas de companhia, um cachorro, uma criança e uma anã, figura corriqueira na corte da época. Ao lado da menina, o próprio Velázquez aparece pintando uma cena que está fora do quadro. Lá atrás, na parede da sala, há um espelho onde vemos refletido o casal real. Pelo reflexo, portanto, descobrimos que é o casal que está sendo retratado pelo pintor da tela. Atrás da parede do espelho, há um empregado abrindo uma porta. Ou seja: Velázquez conseguiu fazer uma pintura que, por ser aberta, é um mundo fechado.
“Há alguém, o empregado, que entra no quadro, para onde não mais enxergamos. E há o casal retratado, fora do quadro, que só vemos pelo reflexo no espelho. Parte da genialidade da obra está no fato de que ela nos inclui. Quando nos postamos diante do quadro para admirá-lo, nos colocamos na exata posição do casal retratado. De dentro do quadro, Velázquez olha para nós. Ele nos pinta. Quando compreendemos nossa posição, o espelho não é mais um espelho, mas um retrato do casal real congelado no passado. Nós, os espectadores, temos nossa posição invertida: é o quadro que nos pinta. E nos observa.  Neste lugar, percebi que o quadro formado por mim e pela pintura nunca mais se repetiria. Aquela cena era efêmera e, de certo modo, já estava morta. Nos tantos séculos que se passaram, milhões de pessoas formaram um novo quadro com a obra pintada por Velázquez. Da forma que só a arte permite, ele criou uma obra que para sempre seguirá pintando. A cada espectador que se coloca no lugar de retratado, Velázquez inverte sua posição. Naquele instante em que o quadro se completa, é ele que está vivo. Ao pintar-se, Velázquez imortalizou-se. E nós, os vivos pintados por ele, estamos a um minuto de sair do quadro, desse pequeno pedaço de eternidade. E seguir pelo corredor do museu, rumo ao resto de nossas vidas. Tive de me sentar num banco próximo para chorar pela cena que havia acabado de morrer. Depois, lembrei da minha vida breve.”
Filosoficamente a morte é um bem, pois cumpre na a vida sua função de ser, existir e acabar.
O filósofo Leandro Karnal diz que os vampiros são melancólicos, depressivos,  vivem num mundo que já não é mais deles. Viver para sempre tem um peso e este peso tem a ver com uma das grandes fantasias da nossa cultura que é a da fonte da juventude.
Na religião judaica, poucos sabem, mas a crença é de que a morte seja transição, pois crê-se na reencarnação, assim como o cristianismo primitivo conforme comprovado na obra “Cavalgando Leão – À Procura do Cristianismo Místico” do autor grego Markides,Kyriacos C.
O que pode surpreender muitos pela falta de abordagem sobre o assunto, sobre essa questão ao indagar meu rabino o motivo de não se falar muito sobre essa crença nas obras e ensinamentos, ele me responde sabiamente que o foco do homem deve ser a vida, e não o porvir.
Independente de paraísos distintos e promessas de salvação, a questão em sua essência são nossas escolhas. Que possamos a partir de agora, como diz o escritor americano David Foster Wallace, “aprender a pensar”. Não no sentido de que não saibamos como o fazer, mas sim no de selecionar quais fatos merecerão nossa atenção.
Bibliografia:
https://seuhistory.com/noticias/assim-e-morte-de-acordo-com-diferentes-culturas
https://jornalggn.com.br/blog/jose-carlos-lima/a-divina-comedia-–-inferno-–-personagens-simbolos-e-notas
https://mariliakubota.wordpress.com/2004/11/01/a-morte-para-os-japoneses-2/
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI134258-15230,00-MEMENTO+MORI.html
http://evoluasuaconsciencia.blogspot.com.br/2014/01/memento-mori.html
https://dailystoic.com/memento-mori/
https://www.vice.com/pt_br/article/xyq7pq/la-santa-muerte-a-santa-mexicana-dos-delinquentes-e-marginais
https://www.huffingtonpost.com/latina-magazine/7-things-to-know-about-la_b_8385476.html
https://www.huffingtonpost.com/latina-magazine/7-things-to-know-about-la_b_8385476.html
http://www.psicologia.pt/artigos/ver_opiniao.php?codigo=AOP0273
https://netnature.wordpress.com/2016/11/02/psicologia-da-morte-a-morte-como-elemento-a-favor-da-vida-na-evolucao-humana/
https://papodehomem.com.br/isso-e-agua-david-foster-wallace-fala-sobre-a-vida-pare-tudo-4/

Bruno Oliveira

Mestre Maçom da Loja Amizade, Trabalho e Justiça, Oriente de Umuarama/PR filiada ao GOP - COMAB. Senior Demolay e Past MC do Capitulo Umuarama nº133 da Ordem Demolay - SCODRFB. Past-Sumo Sacerdote do Capitulo Umuarama nº 43 de Maçons do Real Arco filiado ao Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil e Membro Fundador do Conselho Zohar filiado ao Supremo Grande Conselho de Maçons Crípticos do Brasil.

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