Sociabilidade e o Newtonianismo na Escócia
Por Derya Tarbuck
Traduzido por Rodrigo Menezes
A ascensão das universidades durante o período do Iluminismo está muito bem documentada. E com respeito à Escócia, argumentou-se que as universidades escocesas passaram por uma grande transformação institucional. Várias cadeiras em matemática e medicina foram estabelecidas e nas palavras de Paul Wood (2003): “Essas mudanças institucionais criaram novas oportunidades pedagógicas e de carreira que foram exploradas por uma falange de discípulos e associados de Isaac Newton.” [1]
Portanto, se é plausivelmente argumentado pelos historiadores que o Newtonianismo [2] forneceu uma estrutura para todas as mudanças estruturais em como a pesquisa científica deve ser conduzida, algo mais deve acontecer: um século de sociabilidade organizada e inúmeras sociedades eruditas atuaram como veículos para as ideias de Newton. No entanto, olhando os primeiros clubes intelectuais que foram estabelecidos no início do século em Edimburgo levanta a questão de se eles realmente foram reações à institucionalização de ideias e uma reação à filosofia natural e à cosmologia newtoniana se tornando um cânone. Isso pode ser investigado através de um estudo das sociedades filosóficas e literárias em Edimburgo da época, que são as marcas registradas da sociabilidade erudita do Iluminismo.
Olhando para as sociedades estabelecidas no início do século, pode-se muito bem argumentar que, enquanto as academias passaram por uma transformação newtoniana, a demanda por espaços não institucionais para questionar os méritos filosóficos do newtonianismo e aspectos da filosofia natural também aumentou. Figuras científicas como Newton e Boyle tornaram-se temas da moda para debate. O que resulta disso é que o século XVIII escocês também foi uma plataforma onde todos os componentes possíveis do debate intelectual foram desafiados e utilizados. Teria sido um resultado natural que a força e a natureza abrangente do newtonianismo fossem examinadas em todos os níveis, não apenas pelos círculos estritamente religiosos, mas também por filósofos, por pessoas envolvidas em empreendimentos científicos, por professores e praticantes de direito, por poetas e por sociedades que foram formadas no século XVIII, permitindo que todas essas profissões trocassem ideias sob o mesmo teto.
Um dos primeiros sinais da necessidade de uma esfera extra-institucional veio com o estabelecimento do Clube Rankeniano (Rankenian Club) [3]. Este encontro de estudiosos da Universidade de Edimburgo foi formado em 1716, reunindo-se no Ranken’s Inn em Edimburgo. Este foi um dos primeiros clubes em Edimburgo a fornecer uma plataforma para os jovens estudantes discutirem “questões religiosas de interesse atual que surgem nas obras de Samuel Clarke, George Berkeley, Joseph Butler e vários escritores deístas”. [4] David Hume, William Wishart , George Turnbull e John Stevenson estavam entre os membros do Clube. Lord Kames comentou sobre a natureza de suas reuniões e afirmou que “a única propriedade que eles tinham em comum era uma Bíblia”. [5]
É plausível argumentar que essas sociedades necessariamente se uniram para o debate já existente, não apenas sobre a autoridade da Bíblia, mas também sobre as implicações da física newtoniana. Também é bem conhecido que membros do Clube Rankeniano se correspondiam com George Berkeley, bispo de Cloyne, que se tornou um dos notáveis Analistas dos tratados filosóficos anti-newtonianos do século.
Não há muito consenso acadêmico sobre por que a Sociedade foi formada. A principal fonte de informação veio de um obituário de Robert Wallace. M. A. Stewart aponta que:
Aqueles que exaltaram o Clube Rankeniano nos anos seguintes como uma influência seminal na cultura escocesa seguiram o exemplo do obituário de Wallace, onde foi afirmado que “seu objetivo era a melhoria mútua por meio de conversação liberal e investigação racional”, mas eles podem ter tido pouca ideia do que motivou originalmente os fundadores do clube. [6]
Embora a Sociedade Rankeniana não forneça informações extensas sobre a natureza da recepção do newtonianismo em Edimburgo, ela ainda adverte o historiador contra classificar a sociabilidade organizada do século XVIII sob um impulso filosófico, o da filosofia natural.
Em um panfleto publicado muito mais tarde no mesmo século por uma sociedade literária de Edimburgo, um dos membros relembrou seus primeiros anos:
Lembro-me bem, quando estava na faculdade, que vários de meus jovens companheiros, exultantes com seus poucos e pequenos conhecimentos de filosofia, falavam em estilo, julgavam com rapidez e ditavam com ousadia sobre os assuntos mais importantes sobre o qual o Sir Isaac Newton teria medo e vergonha. [7]
Embora o tom dessa citação fosse certamente crítico para o grupo de alunos mencionado, ela demonstra o que aconteceu no início do século. Esses alunos, como apresentou o observador contemporâneo, estavam engajados em conversas cuja natureza ultrapassava os limites do que era certo falar de acordo com os padrões institucionais. Uma comparação desses jovens estudantes de Edimburgo com Newton envolveu um certo sentido de mudança inovadora na natureza da sociabilidade no século XVIII.
A Sociedade Filosófica de Edimburgo, uma sociedade na época bem conhecida por seus debates sobre a precisão, ou não, da ciência newtoniana, foi fundada em Edimburgo em 1731 como a Sociedade para o Aperfeiçoamento do Conhecimento Médico. A Sociedade Filosófica, como Roger Emerson (1979) apontou, “foi expandida em 1737 por sugestão de Colin Maclaurin em uma sociedade geral dedicada à busca do conhecimento natural e das antiguidades escocesas, mas realmente preocupada principalmente com a medicina e a física newtoniana”. [8] Por exemplo, nos jantares aos quais Forbes e Colin Maclaurin compareceram juntos, ‘Newton, Leibniz, …, e a maioria dos Filósofos foram atacados e defendidos’. [9] Emerson observou que três dos membros da Sociedade Filosófica de Edimburgo em 1739 foram altamente críticos da filosofia newtoniana. Eram os advogados Duncan Forbes de Culloden e Sir John Clerk de Penicuik, e o médico e anatomista George Martine. Emerson observou ainda que “talvez as regras garantissem a esses homens que não haveria uma heterodoxia filosófica dentro do grupo”. [10]
A única cópia das Propostas para o Regulamento da Sociedade está na Biblioteca Nacional da Escócia e, nessa cópia, uma das regras funciona da seguinte forma:
Nas reuniões da sociedade, nenhuma conversa deve ser permitida sobre disputas religiosas ou políticas. Mas isso não deve ser entendido como se essas reflexões devessem ser inaceitáveis, o que sugerem as investigações da Natureza, a respeito da sabedoria de seu Autor e da beleza de sua obra. [11]
Que investigações na Natureza sugeririam reflexões que teriam implicações religiosas (e, portanto, também necessariamente políticas). A concordância de qualquer pessoa em não falar diretamente sobre religião ou política, enquanto fala sobre filosofia, estava fadada a ser frágil. A explicação subjacente a esta regra é múltipla. Além da cultivada cultura educada de conversação, que encorajava a discussão e a todo custo evitava disputas, a regra também atestava a dinâmica do debate intelectual no período, no sentido de que a investigação científica no século XVIII não era uma religião, era uma zona franca, pois a Criação ainda era piedosa no que dizia respeito aos membros da Sociedade. Emerson também observou que “normalmente não foi notado que a maioria dos ministros da Sociedade escreveu algo contra o deísmo”. [12]
Embora a publicação da sociedade tenha definido claramente as áreas temáticas que não seriam abrangidas, como ‘ciências da teologia, moral e política’ [13], fica claro pelas informações que Emerson apresenta que se os membros concordassem em não se envolver nas disputas religiosas diretamente, não era porque os membros não tinham interesse nelas. Nem parece que eles não se preocuparam com a ameaça da heterodoxia.
Embora as universidades escocesas tenham liderado o caminho na Europa adotando a filosofia natural newtoniana no currículo durante a última parte do século XVII, a Escócia tinha sua parcela de anti-newtonianos… Discordâncias potencialmente perturbadoras, portanto, existiam dentro da Sociedade. [14]
O debate sobre a precisão da Nova Ciência e suas implicações religiosas foi, em muitos outros contextos, uma área legítima de discussão para os membros da Sociedade.
1 – Paul Wood – Ciência no Iluminismo Escocês em Brodie, Iluminismo Escocês (‘Science in the Scottish Enlightenment’ in Brodie, Scottish Enlightenment’). Pp. 99-107.
2 – Doutrina filosófica e científica inspirada nas crenças e métodos do filósofo natural Isaac Newton.
3 – Também conhecida como Sociedade Rankeniana, era uma sociedade de intelectuais do século XVIII, fundada em 1716 ou anterior e dissolvida algum tempo após 1760, É considerado o mais importante de muitos clubes e sociedades instruídos que foram uma característica importante do Iluminismo Escocês.
4 – Sobre o Rankenian Club, veja o material de M.A. Stewart, ‘Berkeley and the Rankenian club,’ Hermathena 139 (1985): 25-45. G.E. Davie ‘Berkeley’s impact on Scottish Philosophers’ Philosophy 40 (1965), 222-234. Also, see Peter Jones, ‘The Scottish Professoriate and the polite academy, 1720-46’, in Wealth and Virtue, ed. I. Hont and M. Ignatieff (Cambridge, 1983), 89-117.
5 – Roger L. Emerson – A Sociedade Filosófica de Ebimburgo, 1737-1747 (“The Philosophical Society of Edinburgh, 1737-1747,”) Jornal Britânico da História da Ciência 12 (British Journal for the History of Science 12) (1979): 154-91 on 184, n.17.
6 – MA Stewart on Rankenian Club, p.26.
7 – Observações sobre a revelação e a infidelidade: sendo a substância de vários discursos proferidos recentemente em uma sociedade literária privada em Edimburgo (Remarks on Revelation and Infidelity: being the substance of several speeches lately delivered in a private literary Society in Edinburgh) (Edinburgh, 1797).
8 – Emerson, 155.
9 – Citado em Emerson, 188, n. 127.
10 – Emerson, p.164.
11 – Propostas para o Regulamento de uma Sociedade para o Aperfeiçoamento das Artes e das Ciências e, particularmente, do Conhecimento Natural (Proposals for the Regulation of a Society for Improving Arts and Sciences, and particularly Natural Knowledge) (Edinburgh, 1737), p.xxvi.
12 – Emerson, p. 184.
13 – Prefácio de ensaios e observações
14 – Paul Wood, ed.
14 -12Paul Wood, ed. Ensaios e observações Físicas e literárias lidas perante uma sociedade em Edimburgo (Essays and Observations Physical and Literary Read Before a Society in Edinburgh) (Thoemmes, 2002), p. xiii.
Autora Correspondente: DERYA TARBUCK, dgurses@gmail.com
Citação: Tarbuck, D. (2021). Sociability and Newtonianism in Scotland. Academia Letters, Article 802. https://doi.org/10.20935/AL802.